Série Mulheres Rurais: Indígenas - “Chegou a hora das mulheres terem voz ativa na comunidade” 18/09/2020 - 15:37

Indígena conta como o IDR-Paraná ajudou a melhorar a qualidade de vida das mulheres da Aldeia Tekohá Marangatu, em Guaíra

É em uma aldeia indígena da etnia Guarani, no Oeste do Estado, que a dona Lídia Takua Rero Ysapy Álvares Chaparo mostra como é possível ser visionária e dar voz às mulheres em um ambiente tradicionalmente masculino.

A Aldeia Tekohá Marangatu, em Guaíra, reúne cerca de 95 famílias. São 570 pessoas ao todos, sendo 273 homens e 297 mulheres. Mesmo elas sendo a maioria, eram eles que tomavam as decisões sobre o futuro da aldeia nas reuniões. “A gente ficava no fundo da sala, em silêncio, ouvindo o que eles decidiam, com as instituições, sobre assuntos que impactariam diretamente a todos nós da comunidade. Não só aos homens, mas também às mulheres, aos jovens e às crianças. Só que nossas opiniões não eram ouvidas”, conta dona Lídia.

Esta situação a incomodou de tal forma que ela procurou o IDR-Paraná: “Estava na hora das mulheres terem voz ativa nas reuniões. Estes encontros debatiam temas que depois afetariam a todos: saneamento, distribuição de cestas básicas, saúde, infraestrutura, educação etc.”.

A Associação Mba Apo Mboguata Porã, que significa “Caminhando em Frente”

A engenheira agrônoma do escritório de Guaíra, Rita de Cássia Ribeiro, conta que a dona Lídia procurou o Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – IAPAR-EMATER com a ideia de criar uma Associação de Mulheres na aldeia, mas precisava de ajuda. “O IDR-Paraná auxiliou na formação da Associação, especialmente na orientação de ‘o que é uma associação’, o que representa, como a eleição poderia ser feita, os prazos, as custas, aspectos legais etc. Assim, auxiliamos na elaboração do estatuto, construção do regimento interno, digitalização de toda documentação, entre outras questões que elas precisavam de apoio”, comenta Rita.

Mesmo com toda dificuldade na comunicação, já que nem todas as indígenas entendem perfeitamente o português – elas falam o Guarani -, o Instituto conseguiu organizar um calendário mensal de reuniões com temas escolhidos pelas mulheres da comunidade. “Nós buscávamos as profissionais no serviço municipal e, também, voluntárias para falar sobre os assuntos escolhidos.  Sempre eram demandas que traziam preocupações para o grupo”, aponta Scheila Juliana da Silva, assistente social do IDR-Paraná.

As reuniões
A primeira reunião do grupo foi sobre depressão, já que há um alto índice de suicídio entre os jovens e a depressão tem mais incidência entre as mulheres. “Uma psicóloga abordou o tema ajudando a identificar os sinais da doença e como prevenir. “No contexto social em que a comunidade indígena vive, de exclusão a direitos básicos, situações de violência e abusos tornam-se comuns sintomas como depressão e tendência ao suicídio”, fala Scheila. Das 14 aldeias da etnia Guarani na região Oeste do Estado, apenas uma tem uma vice-cacique. As demais são lideradas por figuras masculinas.

Na sequência, as mulheres receberam orientações sobre a saúde feminina, como prevenção ao câncer de mama e do útero, métodos contraceptivos, doenças sexualmente transmissíveis etc. Assim como instruções no campo da geração de renda, artesanato e agricultura familiar.

O papel do IDR-Paraná
Para esta comunidade, o Instituto não teve só a sua função de prestar assistência técnica e extensão rural, mas uma função social de colaborar na criação desta associação e inseri-la na programação dos Projetos Coletivos. “O principal desafio deste grupo ainda é a sobrevivência. Elas fazem parte de um grupo em extrema pobreza, em que a renda média per capita não passa de R$ 89,00. Agora, o próximo passo é promover melhorias na confecção do artesanato e criar um espaço onde mais mulheres possam ser incorporadas a este movimento. Ao invés de elas produzirem seus produtos embaixo das sombras das árvores, elas podem ter uma oficina para isso”, explica Rita.

Sonhos
Dona Lídia se tornou a presidente da Associação e já enxerga os benefícios conquistados em tão pouco tempo de trabalho – serão dois anos em dezembro deste ano. “As mulheres estão melhor de saúde. Passaram a se cuidar mais e tivemos menos casos de suicídio na Aldeia. Além disso, nossas meninas deixaram de casar tão cedo. Antes, se casam com 13 anos, 14 anos e já eram mãe antes dos 15 anos. Porque elas precisavam ter o apoio de um marido para a sobrevivência. Hoje, já temos meninas com 19 anos que ainda não casaram e querem realizar seus sonhos”, comemora a indígena.

Os bons resultados logo chegarão em mais aldeias. A Tatury, também em Guaíra, já reúne 13 mulheres interessadas em criar um grupo parecido.

Ela ainda espera que, com o grupo, as mulheres possam ter seus espaços de trabalho, melhorias nas condições de emprego e renda, mais oportunidades de aprender novas profissões e que mais mulheres sigam o exemplo de força dela: “Uma vez recebemos a visita de uns procuradores de Brasília na nossa aldeia. Eles só nos faziam perguntas e mais perguntas. Nós estávamos cheios de problemas e eles só nos questionavam. Nenhum homem ou líder da Aldeia fez uma pergunta sequer. Eu me levantei e falei: ‘eu quero soluções, não perguntas’”.

A etnia Guarani na região Oeste do Estado
Somente em Guaíra ficam cerca de 1,3 mil indígenas, que estão espalhados por oito áreas. Outros seis acampamentos ficam na região de Terra Roxa. Em Guaíra, a retomada das terras Guarani começou em 1988 com a ocupação Tekoha Jevy, próxima ao aeroporto de Guaíra, e Tekoha Porã, no mesmo ano. No município atualmente existem 8 Tekohas: Y Hovy, Marangatu, Karumbe'y, Guarani, Mirim, Porã, Jevy e Tatury.