Erva-mate: reconhecimento da FAO é “prêmio à cooperação institucional”, afirma diretora do IDR-Paraná 28/05/2025 - 16:35
Selo Sipam celebra a força do saber tradicional, da ciência e do trabalho em parceria
A FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) reconheceu na última semana o sistema tradicional da erva-mate sombreada sob florestas de araucárias do Paraná como um Sipam (Sistema Importante do Patrimônio Agrícola Mundial).
A distinção valoriza um modelo secular de manejo sustentável — inicialmente praticado por povos indígenas e comunidades tradicionais —, que alia conservação da biodiversidade, produção sustentável e preservação da cultura local, especialmente no bioma da Floresta com Araucária, sendo fortalecido sucessivamente por gerações de agricultores familiares e pela ciência. É o segundo território brasileiro a obter essa distinção — até agora, apenas os apanhadores de flores sempre-viva da Serra do Espinhaço, em Minas Gerais, integravam a lista da ONU, que contempla 95 sistemas em 28 países.
“Esse reconhecimento coloca o Paraná no mapa mundial da agricultura sustentável, graças ao esforço coletivo entre pesquisa, extensão rural, agricultores e organizações sociais. Por isso, é também um prêmio ao esforço de cooperação institucional”, afirma Vania Moda Cirino, diretora de Pesquisa e Inovação do IDR-Paraná.
De fato, a conquista do Sipam não se deu por acaso. Como aponta Cirino, o antigo Iapar (Instituto Agronômico do Paraná), atualmente incorporado ao IDR-Paraná, atua desde o início dos anos 2000 em pesquisa, desenvolvimento e inovação para o fortalecimento e valorização dos sistemas tradicionais de produção da erva-mate, sempre em diálogo com agricultores, povos indígenas, comunidades faxinalenses e instituições parceiras, como universidades e centros de pesquisa, organizações de produtores e entidades de assistência técnica e extensão rural.
CANDIDATURA — Roger Daniel de Souza Milleo, coordenador do Polo de Pesquisa e Inovação do IDR-Paraná em Ponta Grossa, relata que a candidatura ao Sipam teve início em 2020, numa mobilização colaborativa que reuniu agricultores tradicionais e agroecológicos, comunidades indígenas e faxinalenses, pesquisadores, extensionistas, sindicatos da agricultura familiar, universidades, organizações da sociedade civil e gestores públicos.
Milleo explica que, para ser reconhecido como Sipam, um sistema agrícola deve atender a cinco critérios: segurança e soberania alimentar; conservação da agrobiodiversidade; valorização do conhecimento local e tradicional; preservação da cultura, dos sistemas de valores e da organização social; e, ainda, conservação dos recursos de paisagem e do meio ambiente.
A articulação da proposta, segundo Milleo, foi conduzida pelo Observatório dos Sistemas Tradicionais e Agroecológicos da Erva-mate, sob coordenação do Cederva (Centro de Desenvolvimento e Educação dos Sistemas Tradicionais de Erva-mate), com apoio de mais de 30 instituições, entre elas o IDR-Paraná, Embrapa Florestas, UEPG (Universidade Estadual de Ponta Grossa), Ecoaraucária (Associação dos Agricultores Experimentadores em Agroecologia no Bioma de Floresta de Araucária), Fetraf-PR (Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado do Paraná), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) e Yerba Madre Brasil, dentre várias outras.
“A mobilização pela candidatura reflete um trabalho coletivo, construído com base no diálogo entre saberes. É o reconhecimento de um sistema que respeita a floresta, promove a diversidade e fortalece as comunidades”, ele afirma.
IDR-PARANÁ — De acordo com Milleo, o marco inicial da atuação do IDR-Paraná em sistemas tradicionais foi a “Reunião de Atualização Técnica sobre Erva-Mate”, realizada em São Mateus do Sul, em 2007. A partir daí, o instituto coordenou, entre 2009 e 2013, o projeto “Caracterização de Sistemas de Produção Tradicionais e Agroecológicos de Erva-mate de Agricultores Familiares nas Regiões Centro-Sul do Paraná e Norte Catarinense”, que se tornou referência na valorização desses sistemas de cultivo.
A sequência de ações incluiu ainda a realização de cinco seminários, entre 2013 e 2019, que consolidaram um espaço permanente de diálogo e fortalecimento dos sistemas agroflorestais. Como resultado, em 2019, foi criado o Observatório dos Sistemas Tradicionais e Agroecológicos da Erva-Mate, proponente da candidatura à FAO.
“A pesquisa cumpriu um papel fundamental ao sistematizar conhecimentos e gerar dados técnicos, sempre em conexão com os saberes tradicionais e com as práticas das comunidades”, destaca Milleo.
Atualmente, o IDR-Paraná mantém projetos estruturantes que reforçam a biodiversidade e a segurança alimentar das comunidades, como o “Conservação Genética Participativa da Erva-Mate”, que combate a perda de diversidade genética mediante a formação de coleções genéticas participativas.
Outro destaque é o projeto de capacitação em sistemas agroflorestais e agroecológicos, que visa ampliar práticas sustentáveis e fortalecer a resiliência socioeconômica das famílias agricultoras.
“Mais do que um reconhecimento formal, o selo da ONU valida um modo de vida que protege a floresta, valoriza a cultura e promove o desenvolvimento sustentável. É uma conquista que pertence aos povos da floresta, aos agricultores, aos pesquisadores e a todos que acreditam na harmonia entre produção e conservação”, conclui Milleo.
PARANÁ — O Estado lidera a produção nacional de erva-mate, envolvendo cerca de 30 mil famílias e movimentando aproximadamente R$ 1,3 bilhão, conforme o Valor Bruto da Produção (VBP) de 2023.
Uma expressiva parcela da produção paranaense provém de sistemas tradicionais de cultivo sombreado sob floresta com araucária — um saber preservado por gerações de comunidades indígenas, faxinalenses e agricultores familiares que, adicionalmente, assegura qualidade superior e diferenciação no mercado, já que oferece um produto com teor mais elevado de substâncias como teobromina e taurina, altamente valorizadas na indústria de chás, energéticos e cosméticos.