Geada negra impôs novas estratégias para a pesquisa em café 18/07/2025 - 11:01

Tragédia que dizimou a cafeicultura também consolidou a ciência como pilar de superação

Uma massa de ar polar sem precedentes atingiu o Paraná em 18 de julho de 1975 e aniquilou as lavouras de café, base da economia estadual na época. A tragédia não apenas causou enorme impacto socioeconômico, mas também redirecionou o rumo da pesquisa científica voltada à cafeicultura.

O evento climático atingiu um Paraná em transformação. Após alcançar o auge da produção cafeeira em 1963, o Estado já vivia um processo de retração da cultura, motivado por preços baixos, surgimento da ferrugem em 1973, programas públicos de erradicação de lavouras improdutivas e a implementação da legislação trabalhista no campo.

“A geada acelerou a transformação do agro no Paraná, então baseado na monocultura cafeeira extensiva, já considerada inviável no longo prazo”, afirma o engenheiro-agrônomo Florindo Dalberto, à época funcionário do extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC) e integrante da equipe responsável pela implantação do Instituto Agronômico do Paraná (Iapar), atual IDR-Paraná (Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná – Iapar-Emater).

Instituído por lei em 1972, o Iapar mal havia iniciado suas atividades quando a geada de 1975 atingiu o Estado. A sede própria, em Londrina, havia sido inaugurada em março daquele ano e os trabalhos estavam concentrados na definição de linhas prioritárias, formação das primeiras equipes de pesquisa e estruturação de laboratórios e campos experimentais.

“Para a ainda incipiente programação de pesquisa, foi o momento de reforçar a convicção de que precisávamos de um modelo de cafeicultura baseado na diversificação integrada, produção intensiva e busca pela qualidade, algo já exigido pelo mercado”, relembra Dalberto.

O desafio era construir um modelo tecnológico capaz de garantir viabilidade econômica à cafeicultura em pequenas áreas, preferencialmente situadas em terrenos mais elevados e menos sujeitos à geada.

“Os grandes produtores migraram para a pecuária ou para culturas mecanizadas, que exigem maior escala. Essas alternativas não eram viáveis para o pequeno agricultor”, explica Armando Androcioli, pesquisador aposentado que coordenou o programa de pesquisa em café da instituição por 17 anos.

Pouco antes da geada, o Iapar já havia implantado experimentos com cultivares do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), voltados a estudar densidade de plantio, adubação, mecanização e manejo fitossanitário.

A partir de então, a pesquisa passou a priorizar a compactação das lavouras para liberar espaço às demais atividades na propriedade, o desenvolvimento de cultivares de porte baixo, o zoneamento agroclimático para orientar o plantio em áreas de menor risco, o monitoramento das massas de ar polar e a implantação de um sistema de alerta para geadas, além do aprimoramento de técnicas de proteção das plantas.

Entre as décadas de 1980 e 1990, o Paraná consolidou um modelo de cafeicultura com mais de 80 tecnologias desenvolvidas ou adaptadas. Em 1992, foi oficialmente lançado o sistema do café adensado, baseado na concentração da cultura em áreas mais aptas, maior produtividade por hectare e recuperação das condições do solo. Essas recomendações foram compiladas no boletim técnico “Modelo tecnológico para o café no Paraná”, que se tornou uma referência para o setor.

Dois anos depois, em 1994, foi lançada a cultivar Iapar 59, a primeira resistente à ferrugem, desenvolvida em parceria com o Centro de Investigação das Ferrugens do Cafeeiro (CIFC), ligado à Universidade de Lisboa. “Essa resistência não foi quebrada até hoje”, destaca Androcioli.

A resiliência do novo modelo ficou comprovada após a geada de 2000: apesar da forte redução inicial da safra, o Paraná conseguiu retomar a produção já em 2002.

PRODUÇÃO – De uma produção que superava 10 milhões de sacas nos anos 1960, o Paraná atualmente mantém uma cafeicultura mais enxuta e tecnificada. A estimativa para este ano é colher cerca de 720 mil sacas em pouco mais de 25 mil hectares, segundo o Departamento de Economia Rural da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab).

O café está presente em mais de 180 municípios — sendo a principal atividade econômica em muitos deles —, com predomínio da agricultura familiar e uso de cultivares modernas, boas práticas de manejo e foco na qualidade da bebida.

Quanto à bebida, o Paraná é reconhecido pela qualidade de seu café, conquistando prêmios nacionais e internacionais.

“O conjunto de tecnologias desenvolvidas permitiu ao Estado manter o café em seu portfólio agrícola — não mais como principal produtor, é claro, mas com um produto de alta qualidade, que viabiliza milhares de pequenas propriedades, mesmo após 50 anos da geada que ‘acabaria’ com a cafeicultura paranaense”, afirma Dalberto.

DESAFIOS – Para a pesquisadora Vania Moda Cirino, atual diretora de Pesquisa e Inovação do IDR-Paraná, o desafio para os próximos anos é manter a cafeicultura paranaense competitiva em um cenário de mudanças climáticas, com maior variabilidade do clima e risco crescente de eventos extremos.

As estratégias incluem a continuidade do melhoramento genético, adoção de práticas adaptadas ao novo clima e valorização da qualidade como diferencial de mercado. “Superamos a grande geada graças à ciência. O futuro também será construído com pesquisa”, conclui a diretora.